terça-feira, 3 de maio de 2011

Texto de Rubem Alves

Transformação pelo fogo


Assim acontece com a gente. As grandes transformações 
acontecem quando passamos pelo fogo. Quem não passa 
pelo fogo fica do mesmo jeito a vida inteira. São pessoas 
de uma mesmice e uma dureza assombrosa. Só que elas
não percebem e acham que seu jeito de ser é o melhor 
jeito de ser. Mas, de repente, vem o fogo.
O fogo é quando a vida nos lança numa situação que 
nunca imaginamos: a dor. Pode ser fogo de fora: perder 
um amor, perder um filho, o pai, a mãe, perder o emprego 
ou ficar pobre. Pode ser fogo de dentro: pânico, medo, 
ansiedade, depressão ou sofrimento, cujas causas 
ignoramos.
Há sempre o recurso do remédio: apagar o fogo! 
Sem fogo, o sofrimento diminui. Com isso, a possibilidade 
da grande transformação também.
Imagino que a pobre pipoca, fechada dentro da panela, lá 
dentro cada vez mais quente, pensa que sua hora chegou: 
vai morrer. Dentro de sua casca dura, fechada em si mesma,
ela não pode imaginar um destino diferente para si. 
Não pode imaginar a transformação que está sendo 
preparada para ela. A pipoca não imagina aquilo do que ela 
é capaz. Aí, sem aviso prévio, pelo poder do fogo, a grande 
transformação acontece: BUM! 
E ela aparece como uma outra coisa completamente 
diferente, algo que ela mesma nunca havia sonhado.
Bom, mas ainda temos o piruá, que é o milho de pipoca que 
se recusa a estourar. São como aquelas pessoas que, por 
mais que o fogo esquente, se recusam a mudar. 
Elas acham que não pode existir coisa mais maravilhosa do 
que o jeito delas serem. A presunção e o medo são a dura 
casca do milho que não estoura. No entanto, o destino 
delas é triste, já que ficarão duras a vida inteira. 

Não vão se transformar na flor branca, macia e nutritiva.
Não vão dar alegria para ninguém.

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